Vida
" Tenho ali uma foto dos meus avós maternos. Aquele homem alto e magro que está na foto é meu avô Jerónimo, pai da minha mãe, e ela é a minha avó, que se chamava Josefa. Meu avô era pastor, não tinha nem mesmo uma vara de porcos, tinha umas oito ou dez porcas que depois pariam leitões que eles criavam e vendiam, e disso viviam ele e ela. As pocilgas ficavam ao lado da casa [...]. No inverno, podia acontecer, e aconteceu vez ou outra, que alguns leitõezinhos, os mais fracos, porque as pocilgas ficavam do lado de fora, podiam morrer de frio. Então, os dois levavam esses leitõezinhos para a cama, e ali dormiam os dois velhos com dois ou três porquinhos, debaixo dos mesmos lençóis, para aquecê-los com seu calor humano. Este é um episódio autêntico.
Outro episódio. Levaram este meu avô, quando estava muito doente e muito mal, para Lisboa, para um hospital, onde depois veio a morrer. Antes de sabê-lo, em seus 72 anos, aquela figura que nunca esquecerei se dirigiu à horta, onde havia algumas árvores frutíferas e, abraçando-as uma a uma, se despediu delas chorando e agradecendo pelas frutas que tinham dado. Meu avô era um analfabeto total. Não estava se despedindo da única riqueza que tinha, porque aquilo não era riqueza, estava se despedindo da vida que elas eram e da qual ele não compartilharia mais. E chorava abraçado a elas porque intuía que não voltaria a vê-las. Essas duas histórias são mais do que suficientes para explicar tudo. A partir daí, as palavras sobram."
José Saramago